sábado, 4 de junho de 2016

Regime Castrista tira amarras dos tempos da Guerra Fria. A queda do embargo pode ter efeito profundo no setor de tecnologia americano


 
Qual é sua opinião sobre um mercado praticamente inexplorado onde existem cerca de seis milhões de adultos com bom tempo de estudo? E se nesse local, a média salarial for entre US$ 20 e US$ 30 por mês? E, ainda, se as estatísticas das Nações Unidas revelassem que metade dessa força de trabalho possui diploma técnico? Esse lugar existe, e se chama Cuba.
Depois de décadas de isolamento e quase meio século de relações cortadas com os Estados Unidos, a ilha tenta se desvincular de seu passado nas mãos de Fidel Castro e luta para estabelecer diplomacia e romper o embargo estabelecido pelos “yankees”.
Em 2012, o regime Castrista começou a tirar um pouco das amarras econômicas remanescentes dos tempos da Guerra Fria. O processo contemplou os primeiros passos de um esforço para promover um enxugamento do setor público e criar uma economia mais compatível com o mundo globalizado e capitalista – sem, contudo, deixar de preservar a estrutura governamental socialista.
Aos poucos, as coisas avançam para beneficiar o setor privado. Em maio, o governo cubano anunciou que passaria a estimular/legalizar empresas de pequeno e médio porte. Nesse meio tempo, a ilha foi abrindo-se em outras frentes, como o avanço no acesso à Internet, por exemplo. A conexão à rede mundial, aliás, é um ponto crítico para o reestabelecimento do país no mundo global.
O aquecimento nas relações entre Cuba e os Estados Unidos pode ter um impacto profundo na indústria de tecnologia do continente americano, especialmente em terras do Tio Sam. Há uma luta de grandes vendors norte-americanos para contratar mão de obra altamente qualificada e barata. Logo, aquele contexto citado no primeiro parágrafo desse texto é como uma plantação cheia de frutas maduras prontas para serem colhidas!
Uma dezena de companhias de TI acompanhou o Barack Obama, que esteve na ilha em março. Entre as empresas, nomes como Google, PayPal, Airbnb e Stripe. Como resultado da visita, todas elas começaram a oferecer seus serviços no país.
O presidente dos Estados Unidos deixou claro que o aumento no acesso à tecnologia e a Internet é a forma mais poderosa para Cuba acabar com o embargo, solidificando benefícios mútuos entre as duas nações. “Se começarmos a ver esses acordos comerciais e os cubanos se beneficiarem do acesso à internet [...] isso ajudará a fomentar o fim do embargo”, pronunciou Obama.
O crescimento de uma comunidade de desenvolvimento de software, aplicações web e mobile na ilha, bem como o estabelecimento de um ambiente empreendedor é uma visão animadora. Muitos jovens cubanos, membros da Geração Y, já possuem dispositivos como smartphones, tablets e (até mesmo) produtos Apple, enviados para a ilha de outros países.
 
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Com uma infraestrutura de conexão à internet, esses aparelhos se tornam cada vez mais úteis para estimular um contexto tecnológico. Esse ponto parece que vai avançar também. O governo de Cuba começou a instalar pontos de conexão à rede em locais públicos, dando mais acessibilidade a um público aparentemente sedento por banda larga.
“O acesso à internet em um impacto imediato e dramático. É algo que puxa a demanda por uma infinidade de outros recursos, como aplicações, e estimula um modelo de economia compartilhada e digital”, comenta Pedro Freyre, professor da Universidade de Columbia e presidente de International Practice no escritório de advocacia Akerman LLP em Miami.
Mas, no momento, é tudo uma questão de estabelecer limites entre liberdade e controle. “O governo cubano é bastante preocupado com temas de segurança e mantém controle sobre o processo político, mas, ao mesmo tempo, acho que há uma ideia clara de que o país está avançando rumo ao século 21”, diz o expatriado, que visita a ilha com frequência. “Cuba necessita uma web robusta, precisa ter acesso ao mundo, e responder à instantaneidade dos negócios”, acrescenta.
Educação e censura
Atualmente, o acesso à internet está disponível para apenas 5% da população de Cuba. Em contrapartida, o alto nível de educação dos cubanos – ensino totalmente financiado pelo Estado – dá ao povo algumas ferramentas para que criem algumas de suas próprias tecnologias, frente a restrições massivas que o governo lhes impõe, afirma Martin Carnoy, professor na Universidade de Stanford e autor do livro Cuba's Academic Advantage.
Praticamente todo (99%) cubano adulto é alfabetizado. Além disso, o país tem 47 universidades, que abrigam 400 mil estudantes. Ainda, dados de 2009, das Nações Unidas 22% dos cubanos possui ou buscava curso superior em algum campo técnico.
Os moradores da ilha com conhecimentos técnicos frequentemente desempenham trabalhos remotos ou trocam serviços com vizinhos. Aqueles sem conhecimento técnico, com frequência, se tornam empreendedores informais, abrindo restaurantes ou hospedarias para turistas.
“O crescimento no número de pessoas com rendimento a partir de seus próprios negócios ou trabalhando com iniciativas de turismo significa um novo fôlego à economia”, avalia Jorge Duany, diretor do Cuban Research Institute na Florida International University.
A revolução digital
“Os cubanos que trabalham em áreas técnicas estão tendo que encontrar formas inovadoras de rodar seus sistemas”, afirma Alana Tummino, diretora de políticas e líder do Cuba Working Group. “Eles estão criando ofertas ‘não tão legais’ de conexões à internet”, comenta.
Um desses serviços “inovadores” criados é o El Paquete Semanal (Pacote Semanal, na tradução), um terabyte de conteúdo baixado da Internet e distribuído pelo país semanalmente pelo custo equivalente a US$ 2 por pessoa. Isso inclui tudo, desde novas aplicações para smartphones até programas de TV.
Combinado com os novos hotspots que estão sendo instalados, esses serviços já permitem que aficionados por tecnologia e a comunidade empreendedora fortaleça os laços entre si e com companhias norte-americanas.
“Já começam a aparecer as conexões entre cubanos e a comunidade global de engenheiros e desenvolvedores de apps”, explica Tummino. “A comunidade tecnológica de Miami e de Cuba já é capaz de superar as barreiras [impostas pelos governos] de certa maneira”, adiciona.
“Sob o ponto de vista de política e regulamentação norte-americanos, tudo é livre e pode ser feito contanto que você siga as regras e restrições”, adiciona Freyre. Isso significa pegar aprovações com dúzias de agências somente para assegurar que a pessoa que sua empresa pretende contratar já possui acesso à intenet, bem como conhecimento de regulamentações, padrões e áreas controladas pelo governo.
As rodas começam a girar
Em junho de 2015, o governo de Raul Castro publicou um plano de desenvolvimento da infraestrutura de telecom ao redor da ilha. O plano é oferecer acesso banda larga a pelos 50% dos lares cubanos a um preço equivalente a 5% (ou menos) do salário médio do país.
No mês seguinte, o governo instalou os primeiros 65 pontos de acesso, grande parte deles em Havana. Esses hotspots possibilitaram que os cidadãos tivessem acesso a recursos de videoconferência para conversar com parentes em outros países. Só que a tecnologia, também os coloca o povo da ilha em contato com empregadores em potencial.
“Os trabalhadores em Cuba são early adopters e o acesso à banda larga permitirá que recebam ofertas regulares de emprego”, diz Luis Mazorra, fundador do CiberCuba e atualmente vivendo na Espanha. “Esperamos que até o começo de 2017, teremos conexão rápida por todo o país. Planejamos abrir escritórios por todo país assim que isso for permitido”, projeta.
Em março, a Verizon Communications assinou um contrato para interconexão direta com a Etecsa, provedor de Telecom do governo cubano e detentora do monopólio no país. O Google anunciou, durante a visita do presidente Obama, que está nos primeiros estágios para fornecer internet de alta velocidade no país.
Além deles, a Sprint assinou um acordo de roaming de dados, em novembro, com um provedor de serviços de Cuba. Na mesma época, a chinesa Huawei estabeleceu uma parceria com a Etecsa para venda de smartphones.
A medida que Cuba avança, mais companhias dos Estados Unidos, viram seus olhos para a nação do Caribe. A Stripe Atlas revelou, também em meados de março, que entrará no país com uma oferta de "business-in-a-box", serviços que permitem que empreendedores incorporem, abram e recebam pagamentos em contas de bancos norte-americanos.
Os avanços recentes fazem Mazorra acreditar que o setor de tecnologia de Cuba está pronto para ingressar na economia global. Os Millenials, diz, aguardam ansiosos pela internet não apenas para saciar sua curiosidade como para melhorar sua qualidade de vida e expandir suas carreiras profissionais.
“Com milhares de cientistas da computação graduados e mais uma centena se formando todos os meses, além de um ecossistema criativo de designers e produtores de conteúdo, projetamos que atividades como freelancer passarão por um boom em Cuba”, anima-se o fundador da CiberCuba.

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