Fraudes teriam ocorrido antes da entrega do leite às indústrias
O promotor de Justiça Alcindo Bastos, do
Ministério Público gaúcho, disse, na sexta-feira, que a fraude
envolvendo adição de água e álcool ao leite cru entregue para as
cooperativas Piá e Santa Clara provavelmente ocorreu em etapas que
antecedem os procedimentos industriais, podendo ter resultado da ação de
transportadores ou produtores.
A afirmação foi concedida
após o encontro com representantes das duas empresas, que reuniram-se
com Bastos na Promotoria de Justiça do MP para prestar esclarecimentos
iniciais sobre o fato. Tanto a Piá quanto a Santa Clara alegaram que
realizar uma grande variedade de análises, chegando a mais de 100 mil
testes mensais, e negaram a existência de álcool no leite.
Bastos
fez questão de lembrar que as cooperativas são sérias e que estão há
tantas décadas no mercado, porque conquistaram a credibilidade dos
consumidores. No entanto, o promotor disse confiar nos resultados
repassados pelo Ministério da Agricultura. “São empresas idôneas, se
houve alguma falha, foi no controle de qualidade.”
As
cooperativas se comprometeram em apresentar documentos relativos às
análises e rotas. Outro material solicitado pelo promotor são análises
que mostrem situações em que as empresas identificaram irregularidades
no leite e descartaram o produto. O MP e as cooperativas voltam a se
reunir em 20 dias para entrega do material solicitado.
Essa
documentação deve subsidiar a investigação do MP, que tenta identificar
as brechas que ainda permitem a ocorrência de fraudes. A situação das
duas cooperativas, explica Jerônimo Friedrich, engenheiro químico do
Ministério Público, mostra o nível de sofisticação das adulterações. O
álcool etílico tem o objetivo de mascarar a adição de água no leite cru.
Isso porque o exame de crioscopia do leite, que demonstra o ponto de
congelamento, pode apontar quantidade superior de água se o congelamento
ocorrer em menor prazo do que o estimado. O álcool retarda esse prazo
de congelamento.
Por outro lado, a adição de água diminuiria
a contagem de proteínas do leite, o que também poderia ser identificado
pelas análises. O que justifica o fato de que o percentual de proteína
não tenha ficado abaixo do estabelecido é o uso de leite com alto teor
de proteína, ao qual a água é adicionada em limites cuidadosamente
calculados para que não denunciem a redução de proteína. “Isso demonstra
aprimoramento de quem tem cuidado em analisar o leite antes de
adulterar”, comenta Friedrich.
Embora os postos de
resfriamento da Piá e da Santa Clara onde foram encontrados traços de
álcool no leite sejam próximos e as análises tenham sido feitas no mesmo
dia, os produtores, transportadores e a rota não são os mesmos,
esclareceu o promotor. Bastos reiterou por mais de uma vez que as duas
cooperativas são sérias e responsáveis. As tratativas com as empresas
devem culminar com o firmamento de um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC), visando a recrudescer ainda mais os parâmetros de qualidade.
Bastos
reforçou que a situação da Piá requer uma análise ainda mais
criteriosa, porque a cooperativa já havia assinado um TAC com o
Ministério Público no início do ano. Se a falha de agora tiver ocorrido
em decorrência do descumprimento de algum dos pontos firmados, a empresa
pode sofrer penalizações.
O presidente da Piá, Gilberto
Kny, discorda da identificação de álcool no leite e destacou que o
momento é o de tranquilizar o consumidor, pois não há nenhum lote com
irregularidade no mercado. O diretor administrativo-financeiro da Santa
Clara, Alexandre Guerra, disse que saiu tranquilo do encontro,
ressaltando que os laboratórios da empresa são equipados para assegurar
os padrões de qualidade exigidos.
Rio Grande do Sul adota programa de boas práticas na cadeia leiteira
Discutida
ao longo do último ano, a conscientização de agentes da cadeia leiteira
do Estado quanto à importância da qualidade da produção ganhou mais um
aliado: o Programa Alimentos Seguros (PAS) Leite, lançado oficialmente
na noite de sexta-feira, dia 8, dentro da programação do 41º Congresso
Brasileiro de Medicina Veterinária (Conbravet), realizado em Gramado.
As
sucessivas identificações de fraudes, divulgadas desde maio do ano
passado, não só reforçam a importância da iniciativa como determinaram,
também, uma formatação específica de treinamento do programa – que já
foi realizado em outros estados antes de chegar ao Rio Grande do Sul. No
caso gaúcho, a qualificação terá um foco maior no elo que ficou marcado
como o mais suscetível às irregularidades na cadeia produtiva, os
transportadores.
Realizado a partir de
parceria entre Senai, Sebrae e Ministério da Agricultura, o PAS-Leite
deve começar a ser aplicado no mês que vem, explica a médica veterinária
e fiscal federal agropecuária Ana Lucia Stepan, que atuou nas primeiras
operações leite compensado e agora tem seu trabalho voltado para ações
de desenvolvimento promovidas pela superintendência estadual do
Ministério da Agricultura.
Ana Lucia
explica que o PAS é um programa de boas práticas agropecuárias, cujos
primeiros projetos-pilotos foram adotados em 2010. “Nos reunimos com o
Sebrae e o Senai e concluímos que estava na hora de implantar aqui”,
reiterando que o programa tem poucas mudanças nas práticas locais.
A
primeira e mais importante delas é relacionada ao número de
transportadores que devem participar do treinamento. A estimativa é de
que o Rio Grande do Sul possua de 1,5 mil a 2 mil transportadores –
entre esses há os que são contratados por indústrias e cooperativas e os
que agem como intermediários, captando leite junto aos produtores e
revendendo-os depois. Assim, o PAS-Leite prevê disponibilizar
treinamento para 1,5 mil transportadores.
Na
segunda etapa, os produtores passam pela qualificação, mais abrangente.
Serão sete meses de um treinamento com características de consultoria,
já que os produtores rurais passarão pela obtenção de conhecimento,
seguido de um período de 21 dias para que adaptem as mudanças
necessárias e só então recebem novamente os técnicos para avaliar a
aplicação dos conceitos iniciais e iniciar novas etapas da qualificação.
Tanto os transportadores quanto os produtores rurais receberão
certificados ao final do treinamento. Uma fase final do projeto prevê o
desenvolvimento de treinadores que irão disseminar as técnicas e
conhecimentos trabalhados.