Agora
 não chegam as caravelas com portugueses, espanhóis, ingleses, franceses
 e outros do Norte "desenvolvido". Chegam empresas transnacionais desse 
mesmo Norte, trazendo a tiracolo os governos de seus países, com 
propostas "ecologicamente corretas" e carregando em seu bojo a 
subordinação ainda maior dos povos do Sul. A terra, lastro do capital 
natural, está sendo comercializada em bolsas de valores. Tal sanha 
também se estende aos outros elementos da natureza, como o ar, a 
biodiversidade, a cultura, o carbono - patrimônios da humanidade.
Essa
 estratégia, por um lado, está sendo utilizada pelos donos do grande 
capital, receosos de que fique ainda mais evidente para a humanidade que
 as catástrofes ambientais não são tão naturais e sim resultado da 
exploração sem limites da natureza, com o objetivo de engordar seus já 
polpudos lucros através da cultura do consumo exagerado, imposta com 
sutileza às sociedades. Por outro lado, apresenta-se como uma saída para
 a crise mundial pela qual passa o capitalismo - agora travestido de 
"verde" -, demonstrando sua capacidade de constantemente reciclar-se. É 
neste contexto que o capital vem apresentando, desde a Eco 92, suas 
propostas nas convenções do clima até agora realizadas.
O
 mecanismo de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (Redd) 
não diminuirá a poluição. É uma farsa. Na verdade, na melhor das 
hipóteses, significa trocar "seis por meia dúzia". As empresas 
poluidoras dos países ricos do Norte pagarão para os países do Sul e 
continuarão a poluir. Nesse contexto, povos indígenas estão sendo 
assediados por Organizações Não Governamentais (ONG) a serviço das 
empresas do Norte para que firmem contratos cedendo suas terras e 
florestas para a captura de gás carbônico (CO2).
Com
 o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a relação com a natureza 
passa a ser mercantilista, ou seja, os princípios de respeito do ser 
humano para com a natureza passam a ter valor de mercado e a ser medidos
 nas bolsas de valores. O dinheiro resolve tudo, paga tudo.
   
       
  
 
Os
 mecanismos do "capitalismo verde" reduzem a capacidade de intervenção 
do Estado e dos povos na gestão de suas florestas, bem como de seus 
territórios, que passam a ter o ônus de viabilizar compensações 
ambientais massivas em favor da manutenção do insustentável padrão de 
desenvolvimento dos países ricos e dos em franco desenvolvimento, caso 
do próprio Brasil.
Mecanismos
 de compensação para a captura de carbono colocam em risco a própria 
soberania nacional, através da expansão das transnacionais na 
consolidação do poder e controle sobre povos e governos, águas, 
territórios e sementes nos países do Sul, além de modificarem os modos 
de vida das comunidades locais, que passam a ser tratadas como 
fornecedoras de "serviços ambientais".
Os
 chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpos (MDL) justificam a 
construção de hidrelétricas por serem estas classificadas nesta 
categoria. Não é por acaso que tantas estão sendo construídas, muitas 
atingindo povos indígenas, como é o caso de Belo Monte, Santo Antônio e 
Jirau.
Ao
 aceitarem fazer contratos de Redd, as comunidades indígenas obrigam-se a
 ceder suas florestas por 30 anos, não podendo mais utilizá-las, sob 
pena de serem criminalizadas. É o "pagador" quem vai definir o que o 
"recebedor" pode ou não fazer; ficando as comunidades subordinadas 
às grandes empresas transnacionais e aos governos internacionais.
Esses
 "contratos de carbono" ferem a Constituição Federal, que garante aos 
povos indígenas o usufruto exclusivo do seu território. O povo perde a 
autonomia na gestão de seu território e os recursos naturais são 
integrados ao mercado internacional.
Trata-se
 de um novo momento histórico, absolutamente novo, mas com 
características já vividas em outros momentos: a reterritorialização do 
capital internacional e desterritorialização dos povos indígenas.
Os
 povos atrelados a tais contratos são transformados em empregados dos 
ricos, passando da condição de filhos, cuidadores e protetores da Mãe 
Natureza (Pacha Mama) para a condição de promotores do capital natural, 
criando-se assim uma nova categoria: operários da indústria do carbono.
Para
 os povos indígenas, a terra é mãe, as árvores são os cabelos, os rios 
são o sangue que corre em suas veias. Para o "capitalismo verde", os 
rios são considerados infraestrutura natural e a natureza uma força que 
precisa ser domada em benefício de um dito progresso, profundamente 
autofágico, perverso e totalitário.
Exemplos
 de como se dá a relação dos indígenas com a natureza não faltam. Para 
os Guarani entrarem na floresta, logo de manhã, rezam e pedem a Nhanderú
 orientação na direção em que devem caminhar. Redd e PSA transformam a 
natureza em mercadoria, a gratuidade em obrigação, a mística em cláusula
 contratual, o bem estar em supostos "benefícios do capital". É a 
mercantilização do sagrado e a coisificação das relações humanas em 
interface com o meio ambiente.
É
 preciso recuperar a memória da humanidade sobre nossos vínculos com a 
natureza, expresso no Suma Kawsay (Bem Viver). O meio ambiente e as 
culturas que vivem em harmonia com ele devem ser as bases para o 
desenvolvimento humano e das sociedades; não um item da economia de 
mercado.
Na
 convivência com os povos indígenas, percebemos que são eles, com seus 
conhecimentos e sabedoria, as fontes inspiradoras para um outro tipo de 
modelo de sociedade onde o SER prevalece sobre o TER, respeitando e 
vivendo em harmonia com a natureza.
O
 "capitalismo verde" é sinônimo de neocolonialismo. Em pleno século 21, 
surgem novos "espelhinhos" - os PSA, o REDD -, lembrando a estratégia 
usada pelos colonizadores no século 16 para conquistar e destruir os 
povos indígenas, apoderando-se de seus territórios.
O
 Conselho Indigenista Missionário (Cimi), após analisar a lógica do 
"capitalismo verde" - dito sustentável - e suas consequências para as 
populações mais sofridas e exploradas do planeta, em especial os povos 
indígenas, quer juntar-se aos demais setores organizados que dizem NÃO à
 financeirização da natureza, NÃO à "economia verde" e NÃO ao mercado de
 carbono.