12.12.2014
Agora
não chegam as caravelas com portugueses, espanhóis, ingleses, franceses
e outros do Norte "desenvolvido". Chegam empresas transnacionais desse
mesmo Norte, trazendo a tiracolo os governos de seus países, com
propostas "ecologicamente corretas" e carregando em seu bojo a
subordinação ainda maior dos povos do Sul. A terra, lastro do capital
natural, está sendo comercializada em bolsas de valores. Tal sanha
também se estende aos outros elementos da natureza, como o ar, a
biodiversidade, a cultura, o carbono - patrimônios da humanidade.
Essa
estratégia, por um lado, está sendo utilizada pelos donos do grande
capital, receosos de que fique ainda mais evidente para a humanidade que
as catástrofes ambientais não são tão naturais e sim resultado da
exploração sem limites da natureza, com o objetivo de engordar seus já
polpudos lucros através da cultura do consumo exagerado, imposta com
sutileza às sociedades. Por outro lado, apresenta-se como uma saída para
a crise mundial pela qual passa o capitalismo - agora travestido de
"verde" -, demonstrando sua capacidade de constantemente reciclar-se. É
neste contexto que o capital vem apresentando, desde a Eco 92, suas
propostas nas convenções do clima até agora realizadas.
O
mecanismo de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (Redd)
não diminuirá a poluição. É uma farsa. Na verdade, na melhor das
hipóteses, significa trocar "seis por meia dúzia". As empresas
poluidoras dos países ricos do Norte pagarão para os países do Sul e
continuarão a poluir. Nesse contexto, povos indígenas estão sendo
assediados por Organizações Não Governamentais (ONG) a serviço das
empresas do Norte para que firmem contratos cedendo suas terras e
florestas para a captura de gás carbônico (CO2).
Com
o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a relação com a natureza
passa a ser mercantilista, ou seja, os princípios de respeito do ser
humano para com a natureza passam a ter valor de mercado e a ser medidos
nas bolsas de valores. O dinheiro resolve tudo, paga tudo.
Os
mecanismos do "capitalismo verde" reduzem a capacidade de intervenção
do Estado e dos povos na gestão de suas florestas, bem como de seus
territórios, que passam a ter o ônus de viabilizar compensações
ambientais massivas em favor da manutenção do insustentável padrão de
desenvolvimento dos países ricos e dos em franco desenvolvimento, caso
do próprio Brasil.
Mecanismos
de compensação para a captura de carbono colocam em risco a própria
soberania nacional, através da expansão das transnacionais na
consolidação do poder e controle sobre povos e governos, águas,
territórios e sementes nos países do Sul, além de modificarem os modos
de vida das comunidades locais, que passam a ser tratadas como
fornecedoras de "serviços ambientais".
Os
chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpos (MDL) justificam a
construção de hidrelétricas por serem estas classificadas nesta
categoria. Não é por acaso que tantas estão sendo construídas, muitas
atingindo povos indígenas, como é o caso de Belo Monte, Santo Antônio e
Jirau.
Ao
aceitarem fazer contratos de Redd, as comunidades indígenas obrigam-se a
ceder suas florestas por 30 anos, não podendo mais utilizá-las, sob
pena de serem criminalizadas. É o "pagador" quem vai definir o que o
"recebedor" pode ou não fazer; ficando as comunidades subordinadas
às grandes empresas transnacionais e aos governos internacionais.
Esses
"contratos de carbono" ferem a Constituição Federal, que garante aos
povos indígenas o usufruto exclusivo do seu território. O povo perde a
autonomia na gestão de seu território e os recursos naturais são
integrados ao mercado internacional.
Trata-se
de um novo momento histórico, absolutamente novo, mas com
características já vividas em outros momentos: a reterritorialização do
capital internacional e desterritorialização dos povos indígenas.
Os
povos atrelados a tais contratos são transformados em empregados dos
ricos, passando da condição de filhos, cuidadores e protetores da Mãe
Natureza (Pacha Mama) para a condição de promotores do capital natural,
criando-se assim uma nova categoria: operários da indústria do carbono.
Para
os povos indígenas, a terra é mãe, as árvores são os cabelos, os rios
são o sangue que corre em suas veias. Para o "capitalismo verde", os
rios são considerados infraestrutura natural e a natureza uma força que
precisa ser domada em benefício de um dito progresso, profundamente
autofágico, perverso e totalitário.
Exemplos
de como se dá a relação dos indígenas com a natureza não faltam. Para
os Guarani entrarem na floresta, logo de manhã, rezam e pedem a Nhanderú
orientação na direção em que devem caminhar. Redd e PSA transformam a
natureza em mercadoria, a gratuidade em obrigação, a mística em cláusula
contratual, o bem estar em supostos "benefícios do capital". É a
mercantilização do sagrado e a coisificação das relações humanas em
interface com o meio ambiente.
É
preciso recuperar a memória da humanidade sobre nossos vínculos com a
natureza, expresso no Suma Kawsay (Bem Viver). O meio ambiente e as
culturas que vivem em harmonia com ele devem ser as bases para o
desenvolvimento humano e das sociedades; não um item da economia de
mercado.
Na
convivência com os povos indígenas, percebemos que são eles, com seus
conhecimentos e sabedoria, as fontes inspiradoras para um outro tipo de
modelo de sociedade onde o SER prevalece sobre o TER, respeitando e
vivendo em harmonia com a natureza.
O
"capitalismo verde" é sinônimo de neocolonialismo. Em pleno século 21,
surgem novos "espelhinhos" - os PSA, o REDD -, lembrando a estratégia
usada pelos colonizadores no século 16 para conquistar e destruir os
povos indígenas, apoderando-se de seus territórios.
O
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), após analisar a lógica do
"capitalismo verde" - dito sustentável - e suas consequências para as
populações mais sofridas e exploradas do planeta, em especial os povos
indígenas, quer juntar-se aos demais setores organizados que dizem NÃO à
financeirização da natureza, NÃO à "economia verde" e NÃO ao mercado de
carbono.
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